Wednesday, May 05, 2010

Contos da Cripta V


Depois de sair do gabinete do Sr. Diretor, Maristela decidiu voltar a pé para casa. “Papai está no trabalho. Mamãe está sei lá onde. Eu sei o caminho.” Era uma tarde fria, chuvosa. Saiu assim mesmo e passados alguns minutos apercebeu-se de que não reconhecia o lugar por onde ia. As pessoas ao seu redor também eram todas estranhas e logo, quando a chuva apertou, escassearam-se até desaparecerem por completo. Agora sim, Maristela sentia medo, e logo permitiu-se chorar. A rua ficou muito íngreme, o vento, cortante. A chuva picava-lhe o rosto, como uma centena de insetos muito pequenos. Foi então que ela, simplesmente, parou. Pensou em sentar-se ali mesmo, no chão, a espera de alguém. Alguém tinha que se compadecer de uma criança ali, debaixo de chuva, naquela tarde tão escura. Alguém iria levá-la em segurança para casa.

Maristela olhou em frente. “Não.” 

Tirou o cabelo do rosto, enxugou, com as costas das mãos, as lágrimas misturadas com a chuva. Tornou a andar. O vento batia-lhe com força, mas ela, quase no mesmo lugar, continuava em frente. Para qualquer lugar… Suas pernas doíam, já não podia mais. Sua respiração entrecortada pelos soluços não lhe permitia apanhar o ar de que necessitava. Ela não abrandou. Convertia a dor daquele desamparo em energia para continuar andando. Para qualquer lugar…
A chuva parou por uns instantes. As lágrimas que marejavam seus olhos tinham secado e o que permitiu que ela visse três florinhas muito pequenas a saírem de uma fenda entre as pedras da calçada. Levantou a cabeça, com o coração a pulsar-lhe como se fosse rebentar.
Estava na esquina da rua onde morava.